CRUZ E SOUZA
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Cruz e Sousa - biografia, obras e características
Artigo sobre a vida, obras e características de João Cruz e Sousa grande escritor do Simbolismo no Brasil.
Cruz e Sousa
João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, atual Florianópolis. Filho de escravos alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa, seria acolhido pelo Marechal e sua esposa como o filho que não tinham. Foi educado na melhor escola secundária da região, mas com a morte dos protetores foi obrigado a largar os estudos e trabalhar.
Foi diretor do jornal abolicionista Tribuna Popular em 1881. Dois anos mais tarde, foi nomeado promotor público de Laguna (SC), no entanto, foi recusado logo em seguida por ser negro.
Em 1890 vai para o Rio de Janeiro, onde entra em contato com a poesia simbolista francesa e seus admiradores cariocas. Colabora em alguns jornais e, mesmo já bastante conhecido após a publicação de Missal e Broquéis (1893), as quais são consideradas o marco inicial do Simbolismo no Brasil que perduraria até 1922 com a Semana de Arte Moderna, só consegue arrumar um emprego miserável na Estrada de Ferro Central.
Casa-se com Gavita, também negra, com quem tem quatro filhos, dois dos quais vêm a falecer precocemente por tuberculose. Sua mulher enlouquece e passa vários períodos em hospitais psiquiátricos.
Foi o escritor quem cuidou da esposa, em casa mesmo. Essa é a temática de muitos poemas de Cruz e Sousa. A linguagem de Cruz e Sousa, herdada do Parnasianismo, é requintada, porém criativa, na medida em que dá ênfase à musicalidade dos versos por intermédio da exploração dos aspectos sonoros dos vocábulos.
Cruz e Sousa faleceu aos 36 anos, em 19 de março de 1898, vítima do agravamento no quadro de tuberculose.
Veja um trecho do poema “Cristais”, no qual é claro o uso da sinestesia, recurso estilístico que associa dois sentidos ou mais (audição, visão, olfato, etc.):
Mais claro e fino do que as finas pratas
o som da tua voz deliciava…
Na dolência velada das sonatas
como um perfume a tudo perfumava.
Era um som feito luz, eram volatas
em lânguida espiral que iluminava,
brancas sonoridades de cascatas…
Tanta harmonia melancolizava.
Filtros sutis de melodias, de ondas
de cantos volutuosos como rondas
de silfos leves, sensuais, lascivos…
Como que anseios invisíveis, mudos,
da brancura das sedas e veludos,
das virgindades, dos pudores vivos.
Principais obras de Cruz e Sousa
- Missal (prosa)
- Broquéis (poesia)
- Tropos e fantasias
- Faróis
- Últimos soneto
- Evocações
- Sorriso interior
- Triunfo Supremo
- Vida obscura
Principais características das obras de Cruz e Sousa
- No plano temático: a morte, a transcendência espiritual, a integração cósmica, o mistério, o sagrado, o conflito entre matéria e espírito, a angústia e a sublimação sexual, a escravidão e uma verdadeira obsessão por brilhos e pela cor branca;
- No plano formal: as sinestesias, as imagens surpreendentes, a sonoridade das palavras, a predominância de substantivos e o emprego de maiúsculas, utilizadas com a finalidade de dar um valor absoluto a certos termos e o uso metáforas
Trechos de obras de Cruz e Sousa
INEFÁVEL
Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda... Ela rebenta em flor, ela transborda Nos alvoroços da emoção imensa. Sou como um Réu de celestial sentença, Condenado do Amor, que se recorda Do Amor e sempre no Silêncio borda De estrelas todo o céu em que erra e pensa. Claros, meus olhos tornam-se mais claros E tudo vejo dos encantos raros E de outras mais serenas madrugadas! Todas as vozes que procuro e chamo Ouço-as dentro de mim porque eu as amo Na minha alma volteando arrebatadas |
ANTÍFONA
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas! Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras Formas do Amor, constelarmente puras, De Virgens e de Santas vaporosas... Brilhos errantes, mádidas frescuras E dolências de lírios e de rosas ... Indefiníveis músicas supremas, Harmonias da Cor e do Perfume... Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... Visões, salmos e cânticos serenos, Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... Dormências de volúpicos venenos Sutis e suaves, mórbidos, radiantes ... Infinitos espíritos dispersos, Inefáveis, edênicos, aéreos, Fecundai o Mistério destes versos Com a chama ideal de todos os mistérios. Do Sonho as mais azuis diafaneidades Que fuljam, que na Estrofe se levantem E as emoções, todas as castidades Da alma do Verso, pelos versos cantem. Que o pólen de ouro dos mais finos astros Fecunde e inflame a rima clara e ardente... Que brilhe a correção dos alabastros Sonoramente, luminosamente. Forças originais, essência, graça De carnes de mulher, delicadezas... Todo esse eflúvio que por ondas passa Do Éter nas róseas e áureas correntezas... Cristais diluídos de clarões alacres, Desejos, vibrações, ânsias, alentos Fulvas vitórias, triunfamentos acres, Os mais estranhos estremecimentos... Flores negras do tédio e flores vagas De amores vãos, tantálicos, doentios... Fundas vermelhidões de velhas chagas Em sangue, abertas, escorrendo em rios... Tudo! vivo e nervoso e quente e forte, Nos turbilhões quiméricos do Sonho, Passe, cantando, ante o perfil medonho E o tropel cabalístico da Morte... |
SIDERAÇÕES
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo, Galgando azuis e siderais noivados De nuvens brancas a amplidão vestindo... Num cortejo de cânticos alados Os arcanjos, as cítaras ferindo, Passam, das vestes nos troféus prateados, As asas de ouro finamente abrindo... Dos etéreos turíbulos de neve Claro incenso aromal, límpido e leve, Ondas nevoentas de Visões levanta... E as ânsias e os desejos infinitos Vão com os arcanjos formulando ritos Da Eternidade que nos Astros canta... |
O BOTÃO DE ROSA
O campo abrira o seio às expansões frementes
das árvores senis, dos galhos viridentes. Caía a tarde fresca Loira, gentil, vivaz como a canção tudesca. A iluminada esfera Calma, profunda, azul como um sonhar de virgem, Dava um brilho-cetim às verdes folhas d'hera. No ar uma harmonia avigorada e casta, No crânio uma vertigem Duma ideia viril, duma eloquência vasta. Tardes formosíssimas, Ó grande livro aberto aos geniais artistas, Como tanto alargais as crenças panteístas, Como tanto esplendeis e como sois riquíssimas. Quanta vitalidade indefinida, quanta, Na pequenina planta, No doce verde-mar dos trêmulos arbustos, Que misticismo, justos, Bebia a alma inteira ao devassar o arcano Das árvores titãs, das árvores fecundas Que tinham, como o oceano, Febris palpitações intérminas, profundas. Esplêndidas paisagens, Opunha o largo campo às vistas deslumbradas. As múrmuras ramagens, À luz serena e terna, à luz do sol - que espadas De fogo arremessava, em frêmitos nervosos, Pelo côncavo azul dos céus esplendorosos, Tinham falas de amor, segredos vacilantes Finos como os brilhantes. A música das aves Cortava o éter calmo, em notas multiformes, Límpidas e graves Que estouravam no ar em convulsões enormes. Aqui e além um rio Serpejava na sombra, em meio de um rochedo Áspero e sombrio. O olhar perscrutador, o grande olhar, sem medo E o espírito mudo, Como um herói gigante avassalavam tudo... Nuns madrigais risonhos Abria-se o país fantástico dos sonhos. Alavam-se os aromas Leais, inexauríveis Das largas e invisíveis Selváticas redomas. A seiva rebentava Em ondas - irrompia Na doce e maviosa e plácida alegria De uma ave que cantava, Dos belos roseirais Que ostentavam a flux as rosas virginais. E as jubilosas franças Dos arvoredos altos, Rígidos, atléticos, Derramavam no campo uns fluidos magnéticos Dumas vontades mansas. A doce alacridade ia explodindo aos saltos. E toda a natureza Robusta de saúde e estrênua de grandeza Libérrima e vital, Erguia-se pujante, audaz e redentora, No gérmen material da força criadora, Dentre a vida selvagem, mística, animal... Dos roseirais preciosos Nos renques primorosos, Numa linda roseira abria castamente, Como um sonho de luz numa cabeça ardente, O mais belo, o mais puro entre os botões de rosa. Tinha essa cor formosa, Tinha essa cor da aurora, Quando ensanguenta em rubro a vastidão sonora. Era um botão feliz Sorrindo para o Azul, zombando da matéria. Tinha o leve quebranto e a maciez etérea Que uma estrofe não diz. Das pétalas macias, Das pétalas sanguíneas, Doces como harmonias Brandas e velutíneas Uns perfumes sutis se espiralavam, raros, Pela mansão do Bem, pelos espaços claros. Perfumes excelentes, Perfumes dos melhores Perfumes bons de incógnitos Orientes. Matéria, não deplores O viver natural dos vegetais alegres; Eles são mais ditosos Que os nababos e reis nos seus coxins pomposos; E por mais que tu regres O matéria fatal, a tua vida inteira, No rigor da higiene; E por mais que a maneira Do teu grande existir, desse existir - perene De ironias e pasmos, Explosões de sarcasmos Tu completes, matéria - ó humanidade ousada Com a ciência altanada; E por mais que no século, Tu mergulhes a idéia, o prodigioso espéculo, Será sempre maior e exuberante e forte, Ó matéria fatal, Essa vida tão rica Que se corporifica Na valente coorte Do poder vegetal. Era um botão feliz, Cuia roseira, impávida, Ébria de aromas bons, ébria de orgulhos - ávida De completa fragrância, Palpitava com ânsia Desde a própria raiz. E entanto o sol tombara e triunfantemente Como um supremo Rubens, Jorrando à curvidade etérea do poente, O ouro e o escarlate, aprimorando as nuvens, Numa distribuição simpática de cores, De tintas e de luzes De galas e fulgores Rubros como o estourar dos férvidos obuses. O cérebro em nevrose, No pasmo que precede a augusta apoteose De uma excelsa visão perfeitamente bela, De uma excelsa visão em límpidos doceis, Exaltava o acabado artístico da Tela E o gosto dos pincéis. Caíam da amplidão em névoas singulares Os pálidos crepúsculos. Os fúlgidos altares Do homem primitivo - a relva, o prado, o campo Onde ele ia buscar a força de uma crença Que então lhe iluminasse a alma escura e densa, Morriam de clarões - os poderosos músculos Da fértil mãe de tudo - a natureza ingente - Deixavam de bater. - O olhar do pirilampo Oscilava, tremia - azul, fosforescente. As sombras vinham, vinham, Lembrando um batalhão d'espectros que caminham E a casta nitidez sintética das cousas Tomava a proporção das funerárias lousas. Completara-se então o mais extraordinário, O mais extravagante, Dos fenômenos todos: A noite. - Enfim descera a treva do Calvário, A treva que envolveu o Cristo agonizante. Coaxavam negras rãs nos charcos e nos lodos. A abóbada espaçosa, a física amplitude, Mostrava a profundez da angústia de ataúde De um operário pobre, Quando se escuta o dobre Amplíssimo e funéreo, Sinistro e compassado, Rolar pela mansão gloriosa do mistério, Assim com um soluço aflito, estrangulado. Devia ser, devia Por uma noite assim, Como esta noite igual, Que derramou Maria A lágrima da dor, - que o célebre Caim Sentiu dentro do crânio as convulsões do Mal. Mas o botão de rosa, Traído pelo estranho zéfiro da sorte, Rolou como uma cisma Intensa e luminosa Ardente e jovial em que a razão se abisma E foi cair, cair no pélago da morte, Em um dos mais raivosos, Em um dos mais atrozes Rios impetuosos, Cheios de surdas vozes, Sozinho, em desamparo, assim como um proscrito, Em meio à placidez Dos astros no infinito E à mesma irracional e fúnebre mudez. Depois e além de tudo, Além do grave aspecto inteiramente mudo, Ao tempo que morria O cândido botão - em um dos tantos galhos Virentes da roseira - alegre no ar se abria Um outro que ostentava as pétalas sedosas, As pétalas gracis de cores deliciosas, De cores ideais. As auras musicais Passavam-lhe de leve, Nos tímidos rumores, De um ósculo mais breve. E dentre a exposição das delicadas flores, Das rosas - o botão Aberto ultimamente às cúpulas austeras, Às plagas da esperança, a irmã das primaveras, Pendido um quase nada, esbelto na roseira, Mostrava aquela unção, A ínclita maneira De quem se glorifica Subindo ao céu azul da majestade pura, Da eterna exuberância, Da fonte sempre rica, Da esplêndida fartura Da luz imaculada - a egrégia substância Que faz das almas claras Pela fecundidade olímpica do amor, Magníficas searas, De onde se difunde à vida sempiterna, À vida essencial, à lei que nos governa, À idéia varonil do poeta sonhador. A arte especialmente, esse prodígio, atriz, Como o botão de rosa Tão meigo e tão feliz, Pode ser arrojada e brutalmente, ao pego, Na treva silenciosa, Onde o espírito vai, atordoado e cego, Cair, entre soluços, Como um colosso ideal tombado ao chão de bruços, Ou pode equilibrar-se em admirável base Estética e profunda, Assim, bem como o outro, à mais radiosa altura. Deves sondá-la bem nesta segunda fase. Precisas para isso uma alma mais fecunda. Precisas de sentir a artística loucura... |
AO DECÊNIO DE CASTRO ALVES
Quem sempre vence é o porvir!
No espadanar das espumas Que vão à praia saltar! Nos ecos das tempestades Da bela aurora ao raiar, Um brado enorme, profundo, Que faz tremer todo o mundo Se deixa logo sentir! É como o brado solene, Ingente, Celso, perene, É como o brado: - Porvir! Pergunta a onda: - Quem é?.., Responde o brado: - Sou eu! Eu sou a Fama, que venho C'roar o vate, o Criseu! Dormi, meu Deus, por dez anos E da natura os arcanos Não posso todos saber! Mas como ouvisse louvores De glória, gritos, clamores, Também vim louros trazer. Fatalidade! - Desgraça! Fatalidade, meu Deus! Passou-se um gênio tão cedo, Sumiu-se um astro nos céus! As catadupas d'idéias, De pensamento epopéias Rolaram todas no chão! Saindo a alma pra glória Bradou pra pátria - vitória! Já sou de vultos irmãos! Foi Deus que disse: - Poeta, Vem decantar a meus pés. Na eternidade há mais luz, Dão mais valor ao que és. Se lá na terra tens louros, Receberás cá tesouros De muitas glórias até! Terás a lira adorada C'o divo plectro afinada De Dante, Tasso e Garret! Então na terra sentiu-se UM grande acorde final! O belo vate brasílio Pendeu a fronte imortal! O negro espaço rasgou-se E aquele gênio internou-se Na sempiterna mansão. A sua fronte brilhava E o áureo livro apertava Sereno e ledo na mão... E o mundo então sobre os eixos Ouviu-se logo rodar! É que ele mesmo estremece A ver um vulto tombar. É que na queda dos entes Que são na vida potentes, Que têm nas veias ardor, Há cataclismos medonhos Que só sentimos em sonhos Mas que nos causam terror!... E o coração s'estortega E s'entibia a razão! No peito o sangue enregela E logo a história diz: - Não! Não chore a pátria esse filho, Se procurou outro trilho Também mais glória me deu! E quando os séculos passarem Se hão de tristes curvarem Enquanto alegre só eu?... Oh! Basta! Basta! Silêncio! Repousa, vate, nos Céus! Que muito além dos espaços Os cantos subam dos teus! Se nesta vida d'enganos Não são bastante os humanos Pra te render ovações! Perdoa os fracos, ó gênio, Que pra cantar teu decênio Somente Elmano ou Camões! |
BRAÇOS
Braços nervosos, brancas opulências,
brumais brancuras, fúlgidas brancuras, alvuras castas, virginais alvuras, latescências das raras latescências. As fascinantes, mórbidas dormências dos teus abraços de letais flexuras, produzem sensações de agres torturas, dos desejos as mornas florescências. Braços nervosos, tentadoras serpes que prendem, tetanizam como os herpes, dos delírios na trêmula coorte ... Pompa de carnes tépidas e flóreas, braços de estranhas correções marmóreas, abertos para o Amor e para a Morte! |
ENCARNAÇÃO
Carnais, sejam carnais tantos desejos,
carnais, sejam carnais tantos anseios, palpitações e frêmitos e enleios, das harpas da emoção tantos arpejos... Sonhos, que vão, por trêmulos adejos, à noite, ao luar, intumescer os seios láteos, de finos e azulados veios de virgindade, de pudor, de pejos... Sejam carnais todos os sonhos brumos de estranhos, vagos, estrelados rumos onde as Visões do amor dormem geladas... Sonhos, palpitações, desejos e ânsias formem, com claridades e fragrâncias, a encarnação das lívidas Amadas! |
VELHAS TRISTEZAS
Diluências de luz, velhas tristezas
das almas que morreram para a luta! Sois as sombras amadas de belezas hoje mais frias do que a pedra bruta. Murmúrios ncógnitos de gruta onde o Mar canta os salmos e as rudezas de obscuras religiões — voz impoluta de todas as titânicas grandezas. Passai, lembrando as sensações antigas, paixões que foram já dóceis amigas, na luz de eternos sóis glorificadas. Alegrias de há tempos! E hoje e agora, velhas tristezas que se vão embora no poente da Saudade amortalhadas! ... |
DANÇA DO VENTRE
Torva, febril, torcicolosamente,
numa espiral de elétricos volteios, na cabeça, nos olhos e nos seios fluíam-lhe os venenos da serpente. Ah! que agonia tenebrosa e ardente! que convulsões, que lúbricos anseios, quanta volúpia e quantos bamboleios, que brusco e horrível sensualismo quente. O ventre, em pinchos, empinava todo como réptil abjecto sobre o lodo, espolinhando e retorcido em fúria. Era a dança macabra e multiforme de um verme estranho, colossal, enorme, do demônio sangrento da luxúria! |
FLOR DO MAR
És da origem do mar, vens do secreto,
do estranho mar espumaroso e frio que põe rede de sonhos ao navio e o deixa balouçar, na vaga, inquieto. Possuis do mar o deslumbrante afeto, as dormências nervosas e o sombrio e torvo aspecto aterrador, bravio das ondas no atro e proceloso aspecto. Num fundo ideal de púrpuras e rosas surges das águas mucilaginosas como a lua entre a névoa dos espaços... Trazes na carne o eflorescer das vinhas, auroras, virgens músicas marinhas, acres aromas de algas e sargaços... |
DILACERAÇÕES
Ó carnes que eu amei sangrentamente,
ó volúpias letais e dolorosas, essências de heliotropos e de rosas de essência morna, tropical, dolente... Carnes, virgens e tépidas do Oriente do Sonho e das Estrelas fabulosas, carnes acerbas e maravilhosas, tentadoras do sol intensamente... Passai, dilaceradas pelos zelos, através dos profundos pesadelos que me apunhalam de mortais horrores... Passai, passai, desfeitas em tormentos, em lágrimas, em prantos, em lamentos em ais, em luto, em convulsões, em dores... |
SINFONIAS DO OCASO
Musselinosas como brumas diurnas
descem do ocaso as sombras harmoniosas, sombras veladas e musselinosas para as profundas solidões noturnas. Sacrários virgens, sacrossantas urnas, os céus resplendem de sidéreas rosas, da Lua e das Estrelas majestosas iluminando a escuridão das furnas. Ah! por estes sinfônicos ocasos a terra exala aromas de áureos vasos, incensos de turíbulos divinos. Os plenilúnios mórbidos vaporam ... E como que no Azul plangem e choram cítaras, harpas, bandolins, violinos ... |
ACROBATA DA DOR
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado, nervoso, ri, num riso absurdo, inflado de uma ironia e de uma dor violenta. Da gargalhada atroz, sanguinolenta, agita os guizos, e convulsionado salta, gavroche, salta clown, varado pelo estertor dessa agonia lenta ... Pedem-se bis e um bis não se despreza! Vamos! retesa os músculos, retesa nessas macabras piruetas d'aço. . . E embora caias sobre o chão, fremente, afogado em teu sangue estuoso e quente, ri! Coração, tristíssimo palhaço. |
MÚSICA DA MORTE
A música da Morte, a nebulosa,
estranha, imensa música sombria, passa a tremer pela minh'alma e fria gela, fica a tremer, maravilhosa ... Onda nervosa e atroz, onda nervosa, letes sinistro e torvo da agonia, recresce a lancinante sinfonia sobe, numa volúpia dolorosa ... Sobe, recresce, tumultuando e amarga, tremenda, absurda, imponderada e larga, de pavores e trevas alucina ... E alucinando e em trevas delirando, como um ópio letal, vertiginando, os meus nervos, letárgica, fascina ... |
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