quarta-feira, 1 de outubro de 2014

ANTOLOGISTA MINEIRO WAGNER RIBEIRO * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

ANTOLOGIA  LUSO
BRASILEIRA
WAGNER RIBEIRO,
FTD 1964
*
Wagner Ribeiro é mineiro de Patos de Minas, nascido em 1913, foi professor, irmão marista e profícuo antologista, além de poeta. Numa rápida busca virtual, constatei que a lista de livros de sua autoria é grande, embora não tenha encontrado documentação sobre ele, sequer no Acervo de Escritores Mineiros da UFMG. 
Este livro acima me acompanha há muitos anos, mais devido às notas sobre o vocabulário dos autores estudados nele, o que de certa forma ajuda-me no enriquecimento vocabular ao escrever.
Vou transcrever a seguir o único texto de sua autoria incluído neste livro, com o devido respeito à sua ortografia....
DEFUNTO FUGIDO

No dia em que morreu o coronel Monteiro,
Na fazenda do Ipê, pelas quatro da tarde,
ouvimos um estouro!... Espalhou-se um mau cheiro
de enxôfre em toda a casa!... E com bulhento alarde,
anuns pretos faziam algazarra. Que medo!
Era de arripiar os cabelos da gente...

De batuque infernal, que grotesco arremêdo!
Essa dança macabra, horrenda, felizmente 
pouco tempo durou. Todo o mundo inda jura:
- "Do infeliz fazendeiro o cadáver sumiu.
Não havendo remédio, em tanta conjuntura,
a não ser... a família, (ora, onde é que se viu!)
Mandar amortalhar um palanque de cedro,
que recebeu, na igreja, as orações litúrgicas
em lugar do defunto!..." - assim, disse o ti' Pedro.


Evitaram-se, então, versões estapafúrdias:
Diziam que "o Monteiro havia feito trato
com o demônio"! Ora vejam! Eu cá, por mim, não creio
em almas do outro mundo. Agora, escutem um fato,
um caso verdadeiro, embora, de permeio,
encerre algum floreio - a estória é impressionante!

Tinha que acontecer comigo!
                                                                   De uma feita,
(Moro em Campo Florido), houve um sarau dançante
em Pirajuba. Não, jamais hei de olvidar,
jamais hei e esquecer! Uma festa legal!

Quando enfim terminou, eu pensei em voltar.
Fui buscar meu cavalo e montei.
                                                           - Pessoal, adeus!
                                   Escureceu. Teremos tempestade,
Pensei com meus botões. Negra a noite ficara.

Que cavalo valente! O alazão na verdade
é o melhor animal! Eis que o matungo pára.

- Alazão, Alazão! Deixa deste tremor!
Estás passarinhando? (E esta chuva não cessa. 
Eu nutria também meu receio e temor)
O' meu pingo, olha lá não me aprontes mais essa!
Ressabiado, bufou e voltou-se, empinando.
Forçoso era ceder ao querer do animal.

Eis que, à luz de um corisco, enxerguei, embargando
a passagem, um vulto...
                                       - É um ébrio? Vai mal!
Ei! Saia do caminho, aí, seu cachaceiro!

Não deu resposta alguma. Empunhei a garrucha.
Ia até fazer fogo. Apeei. Quis primeiro
me benzer: - Deus me ajude! Estou com medo! Puxa!
Não seria um defunto, a tal hora, na estrada,
em fraldas de camisa, encostado num fardo?

- Um bêbedo, pensei de novo; e assim, não tardo
a retomar a estrada, estando mais tranquilo:
É que vinha parando a chuva e que os coriscos
haviam já cessado. entretanto, eis que "aquilo"
não mais me preocupava e nem causava riscos...

Duas léguas além, avistei, num instante, 
um rancho, com bom fogo aceso, em derredor
de um velho caldeirão com feijão fumegante,
homens a discutir, do braseiro ao calor.
Bem. Ao me aproximar, o que enxerguei, parado
a pequena distância, era um carro de bois.

Girava a discussão, em tom acalorado
sobre um assunto tal, que, somente depois,
me foi dado entender.
                                      Logo que eles me viram,
disseram: - "Ó seu moço, encontrou um defunto
por aí, nesta estrada? - Ah! Meus olhos se abriram:
Pois então, era esse  o debatido assunto?!"

- Sim, talvez, respondi: logo depois da balsa?
ao subir a ladeira...

                                        - E agora! Eu não dizia
que o ladrão do defunto ia deixando a calça,
só por ter pertencido ao Padre Zé Maria?!...
E raspou-se o danado!

                                 - Agora demos fé:
Como estava a dormir, vejam só que tratante!
Decerto, foi correndo atras do arrastapé,
de pagode qualquer! Onde está nesse instante?
- Lá no meio da estrada. Ele vem encostado
num negócio esquisito: uma tora qualquer.

- Há de ser um jacá, onde estava amarrado,
coitadinho. E eu aqui, mau juízo a fazer:
Disseram cada coisa, acerca do finado!
Que ele era feiticeiro, amansador de gente
brava, que sei lá eu!

                                         - Como tinham pintado
o infeliz!Mesmo agora, oh! que sorete inclemente!
O morto vinha vindo em cima do jacá;
ao subir a ladeira, ele, degringolando,
deslizou e deixando a calça (pois, quem há
de negar) enguiçada em qualquer felpa, quando,
nem dando pela falta, os demais viajantes,
prosseguiram a jornada, em tempo tão chuvoso...
...................................................................................
E foi assim que ali, àqueles circunstantes,
foi dado esclarecer um caso tenebroso:
Tinha o pobre defunto apenas deslizado,
pela mesa do carro, e em que noite, coitado!
***

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